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O Sangue do Olimpo - CAP. VI

.. segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Capítulo VI - Reyna 

REYNA QUASE SEMPRE CONSEGUIA CONTROLAR seus pesadelos. Tinha treinado a mente para começar todos os sonhos em seu lugar preferido: o Jardim de Baco, localizado na colina mais alta de Nova Roma. Lá, Reyna sentia-se em segurança e tranquila. Quando visões invadiam seu sono, como sempre acontecia com semideuses, ela as continha imaginando serem apenas reflexos na fonte do jardim. Assim conseguia dormir em paz e evitava despertar suando frio. Naquela noite, entretanto, não teve a mesma sorte. O sonho começou muito bem. Ela estava no jardim, em uma tarde quente, sob o caramanchão coberto de madressilvas em flor. Na fonte central, a pequena estátua de Baco cuspia água na bacia. À sua frente ela via as cúpulas douradas e os telhados vermelhos de Nova Roma; menos de um quilômetro a oeste, as fortificações do Acampamento Júpiter. Mais além, o Pequeno Tibre fazia uma curva suave em torno do vale, traçando os limites de uma enevoada e dourada Berkeley Hills sob a luz do verão. Reyna segurava uma xícara de chocolate quente, sua bebida preferida. Soltou um suspiro de satisfação. Valia a pena defender aquele lugar, por ela, por seus amigos, por todos os semideuses. Os quatro anos no Acampamento Júpiter não tinham sido fáceis, mas foram a melhor época em sua vida. De repente, o horizonte escurecia. Reyna pensava que talvez fosse uma tempestade, mas logo percebia que uma enorme onda de terra preta varria as colinas, virando do avesso a pele da terra, sem deixar nada para trás. Reyna via, horrorizada, a enxurrada de terra alcançar o topo do vale. A barreira mágica que o deus Términus mantinha em torno do acampamento apenas reduzia por um instante a destruição. Uma luz roxa jorrava para o alto como vidro estilhaçado, e então a onda de terra prosseguia, destroçando árvores, destruindo estradas, varrendo do mapa o Pequeno Tibre. É uma visão, pensava Reyna. Eu posso controlar isso. Ela tentava mudar o sonho. Imaginava que a destruição fosse apenas um reflexo na fonte, uma imagem de vídeo inofensiva, mas o pesadelo continuava, de maneira completamente real. A terra engolia o Campo de Marte. Destruía todo traço de fortes e trincheiras dos jogos de guerra. O aqueduto da cidade desmoronava como peças de dominó. O próprio Acampamento Júpiter caía: torres de vigia desabavam, muros e barreiras se desintegravam. Os gritos dos semideuses eram silenciados, e a terra seguia em frente. Então um soluço se formava na garganta de Reyna. Os reluzentes santuários e monumentos da Colina dos Templos desmoronavam. O coliseu e o hipódromo eram completamente arrasados. A onda de terra alcançava a Linha Pomeriana e atravessava brutalmente a cidade. Famílias corriam pelo fórum. Crianças gritavam de pavor. O Senado implodia. Villas e jardins desapareciam como plantações sendo ceifadas por uma máquina. A onda crescia e subia a colina na direção do Jardim de Baco, o último remanescente do mundo de Reyna. Você os deixou indefesos, Reyna Ramírez-Arellano, dizia uma voz de mulher, vinda do terreno negro. Seu acampamento será destruído. Sua missão é uma busca infrutífera. Meu caçador está atrás de você. Reyna se soltava da murada do jardim. Corria até a fonte, agarrava a beirada e ficava olhando fixamente para a água, em desespero. Ali, ela desejava que o pesadelo se transformasse em um reflexo inofensivo. TUM. Então a bacia da fonte se quebrava ao meio, fendida por uma flecha do tamanho de um ancinho. Reyna olhava chocada para as penas de corvo na extremidade do cabo pintado de vermelho, amarelo e preto, como uma cobra-coral. A ponta de ferro estígio estava cravada em suas entranhas. Ela erguia os olhos em meio a uma névoa de dor. Vindo da outra extremidade do jardim, uma figura sombria se aproximava, a silhueta de um homem cujos olhos brilhavam como faróis em miniatura, cegando Reyna. Ela ouvia o som de ferro contra couro quando ele pegava mais uma flecha da aljava. Então seu sonho mudava. O jardim e o caçador desapareciam, assim como a flecha na barriga de Reyna. Ela se via em um vinhedo abandonado. Diante dela estendiam-se hectares e mais hectares de parreiras mortas, pendendo, em fileiras, de treliças de madeira, como minúsculos esqueletos retorcidos. Na extremidade mais distante dos campos havia uma casa de fazenda, com um pátio no centro circundado por colunas. Mais além, a terra mergulhava no mar. Reyna reconhecia o lugar: a Adega Goldsmith, na margem norte de Long Island. Seus grupos de batedores o haviam assegurado como base avançada para o ataque da legião ao Acampamento Meio-Sangue. Ela havia ordenado que a maior parte da legião ficasse em Manhattan até segunda ordem, mas, obviamente, Octavian lhe havia desobedecido. Toda a Décima Segunda Legião estava acampada no campo mais ao norte. Eles haviam escavado com sua precisão militar habitual: fossos de três metros de profundidade, paredes de terra com pontas de madeira em torno do perímetro e uma torre de vigia em cada canto armada com uma balista. No interior, as tendas estavam dispostas em bem-organizadas fileiras brancas e vermelhas. Os estandartes de todas as cinco coortes tremulavam ao vento. Reyna deveria ter se animado ao ver a legião. Embora fosse uma força pequena, mal chegando a duzentos semideuses, eram todos bem-treinados e bem-organizados. Se Júlio César voltasse dos mortos, não teria dificuldades para reconhecer as tropas de Reyna como soldados valorosos de Roma. Mas eles não tinham o que fazer ali tão perto do Acampamento Meio-Sangue. A insubordinação de Octavian fazia Reyna cerrar os punhos de raiva. Ele provocava os gregos intencionalmente, querendo dar início a uma batalha. No sonho, sua visão dava um zoom até o pórtico da casa da fazenda, onde Octavian estava sentado em uma cadeira dourada que, suspeitosamente, parecia um trono. Além de sua habitual toga de senador com ornamentos roxos, da medalha de centurião e da adaga de áugure, ele havia adotado para si uma nova honraria: um manto com capuz branco sobre a cabeça, que o identificava como pontifex maximus, sumo sacerdote dos deuses. Reyna tinha vontade de estrangulá-lo. Nenhum semideus de que se tinha lembrança havia assumido o título de pontifex maximus. Ao fazer isso, Octavian se elevava quase ao nível de imperador. À direita dele, viam-se relatórios e mapas espalhados sobre uma mesa baixa. À esquerda, um altar de mármore estava carregado de frutas e oferendas de ouro, sem dúvida para os deuses, mas para Reyna parecia um altar para o próprio Octavian. Ao lado de Octavian estava o portador da águia da legião, Jacob, parado em posição de sentido, suando em sua capa de pele de leão e segurando o mastro com o estandarte da águia dourada da Décima Segunda Legião. Octavian estava no centro de uma plateia. No pé da escada estava ajoelhado um garoto de calça jeans com um moletom de capuz amarfanhado. Mais para o lado de Octavian estava Mike Kahale, um dos centuriões da Primeira Coorte, parado de braços cruzados com uma expressão de evidente descontentamento. — Muito bem — dizia Octavian, dando uma olhada em um pergaminho. — Vejo aqui que você é um legado, descendente de Orco. O garoto de moletom levantava a cabeça, e Reyna arfava de susto. Bryce Lawrence. Ela reconhecia sua cabeleira castanha, o nariz quebrado, os olhos cruéis e o sorriso presunçoso e mau. — Sim, meu senhor — confirmava Bryce. — Ora, eu não sou um senhor — Octavian apertava os olhos. — Apenas um centurião, um áugure e um humilde sacerdote servindo aos deuses o melhor que pode. Sei que você foi dispensado da legião por... bem, questões disciplinares. Reyna tentava gritar, mas não conseguia emitir nenhum som. Octavian sabia muito bem por que Bryce tinha sido expulso. Tal qual seu antepassado divino, Orco, o deus das punições do Mundo Inferior, Bryce não tinha remorso algum. O pequeno psicopata tinha sobrevivido a suas provas com Lupa muito bem, mas, assim que chegara ao Acampamento Júpiter, tornara-se evidente que era impossível treiná-lo. Ele tinha tentado atear fogo a um gato por pura diversão. Esfaqueara um cavalo e o mandara a galope pelo meio do fórum. Desconfiava-se até de que tinha sabotado um equipamento de cerco e matado seu próprio centurião durante os jogos de guerra. Se Reyna tivesse conseguido provar isso, a punição de Bryce teria sido a morte. Mas, como as provas eram circunstanciais, e como a família de Bryce era rica e poderosa, com muita influência em Nova Roma, ele havia escapado com uma sentença mais leve: exílio. — Sim, pontifex — dizia Bryce, devagar. — Mas, se me permite, aquelas acusações nunca foram provadas. Sou um romano leal. Mike Kahale parecia estar fazendo um grande esforço para não vomitar. Octavian sorria. — Acredito em segundas chances. Você atendeu a meu chamado por recrutas. Tem as credenciais e cartas de recomendação certas. Jura se submeter a minhas ordens e servir à legião? — Plenamente — respondia Bryce. — Então você está reintegrado, in probatio — dizia Octavian. — Até que possa se provar em combate. Ele então fazia um gesto para Mike, que enfiava a mão em sua bolsa e pegava lá de dentro um cordão de ouro com uma placa de identificação de probatio. Então colocava o cordão no pescoço de Bryce. — Apresente-se à Quinta Coorte — dizia Octavian. — Eles podem precisar de um pouco de sangue novo, alguma perspectiva nova. Se Dakota, seu centurião, tiver algum problema com isso, diga a ele para vir falar comigo. Bryce sorria como se tivesse acabado de ganhar uma faca afiada. — É um grande prazer. — E, Bryce... — O rosto de Octavian parecia quase fantasmagórico sob seu capuz branco: olhos penetrantes demais, faces magras demais, os lábios muito finos e sem cor. — Por mais que a família Lawrence tenha dinheiro, poder e prestígio entre a legião, lembre-se de que minha família tem mais. Sou seu patrono pessoal, como sou patrono de todos os outros recrutas novos. Siga as minhas ordens, e você subirá rápido. Logo posso ter um trabalhinho para você, uma oportunidade para provar seu valor. Mas se me trair não serei tão leniente quanto Reyna. Entendeu? O sorriso de Bryce desaparecia. Ele parecia querer dizer algo, mas então mudava de ideia. Apenas assentia. — Ótimo — completava Octavian.— Ah, e corte esse cabelo. Mais parece um maldito graecus. Está dispensado. Depois que Bryce saía, Mike Kahale reclamava: — Agora, com ele, já são duas dúzias. — Isso é ótimo, meu amigo — garantia Octavian. — Nós precisamos da força extra desses homens. — Assassinos. Ladrões. Traidores. — Semideuses leais — retrucava Octavian. — Que devem sua posição a mim. Mike franzia a testa, contrariado. Tinha bíceps tão grossos quanto canos de bazuca, traços largos, pele cor de amêndoa torrada, cabelo de ônix e imponentes olhos escuros, como os antigos reis havaianos. Reyna não sabia como um jogador de futebol americano de Hilo podia ser filho de Vênus, mas ninguém na legião lhe criava problema por causa disso, não depois que o tinham visto esmagar rochas apenas com as mãos. Reyna sempre gostara de Mike Kahale. Infelizmente, porém, Mike era muito leal a seu patrono. E seu patrono era Octavian. O pontifex se levantou e se espreguiçou. — Não se preocupe, meu velho amigo. Nossas tropas já cercaram o acampamento grego. Nossas águias têm superioridade total no ar. Os gregos não vão a lugar algum até que estejamos prontos para atacar. Em onze dias, todas as minhas forças estarão em posição. Minhas surpresinhas estarão prontas. Em primeiro de agosto, na Festa de Spes, o acampamento grego vai cair. — Mas Reyna disse que... — Já discutimos isso. — Ao dizer isso, Octavian puxava a adaga de ferro do cinto e a arremessava na mesa, onde a lâmina empalava um mapa do Acampamento Meio-Sangue. — Reyna abriu mão de sua posição. Foi para as terras antigas, o que é contra a lei. — Mas a Mãe Terra... — Anda agitada por causa da guerra entre os acampamentos grego e romano, certo? Os deuses estão incapacitados, certo? E como resolvemos esse problema, Mike? Eliminamos a divisão. Acabamos com os gregos. Fazemos os deuses retomarem seu devido aspecto, como romanos. Assim que todo o poder dos deuses for restaurado, Gaia não vai ousar se erguer. Vai cair novamente no sono. Nós, semideuses, ficaremos fortes e unidos, como nos velhos tempos do império. Além disso, o primeiro dia de agosto é muito auspicioso, o mês em homenagem a meu ancestral Augusto. E você sabia que ele uniu os romanos? — Ele tomou o poder e se tornou imperador — resmungava Mike em resposta. — Bobagem — dizia Octavian, desdenhando o comentário com um aceno. — Ele salvou Roma ao se tornar o Primeiro Cidadão. Augusto queria paz e prosperidade, não poder! Acredite em mim, Mike. Pretendo seguir o exemplo dele. Vou salvar Nova Roma, e, quando fizer isso, vou me lembrar de meus amigos. Mike transferia seu peso considerável de uma perna para outra. — Você parece ter tanta certeza. O seu dom de profetizar... Octavian erguia a mão em alerta e olhava para Jacob, o portador da águia, que continuava ali parado em posição de sentido atrás dele. — Jacob, está dispensado. Por que não vai polir a águia ou alguma coisa assim? Ao ouvir isso, Jacob deixava os ombros caírem em alívio. — Sim, áugure. Quer dizer, centurião! Quer dizer, pontifex! Quer dizer... — Vá. — Já estou indo. Assim que Jacob saiu, o rosto de Octavian se fechou. — Mike, já lhe avisei para não falar do meu... hã... problema. Mas respondendo a sua pergunta: não. Parece que o dom habitual que recebo de Apolo continua sofrendo alguma interferência. — Ele olhou com ressentimento para uma pilha de bichos de pelúcia mutilados e amontoados no canto do pórtico. — Não consigo ver o futuro. Talvez aquele oráculo falso do Acampamento Meio-Sangue esteja fazendo alguma espécie de feitiçaria. Mas, como eu já lhe expliquei antes, em segredo absoluto, Apolo falou comigo claramente no ano passado, no Acampamento Júpiter! Abençoou minhas iniciativas. Prometeu que eu seria lembrado como o salvador dos romanos. Octavian estendia os braços, revelando a tatuagem de harpa, símbolo de seu antepassado divino. Sete riscos representavam seus anos de serviço, mais que qualquer outro oficial, mais até mesmo que Reyna. — Nunca tema, Mike. Vamos esmagar os gregos. Vamos deter Gaia e seus servos. Depois vamos pegar aquela harpia que os gregos estão criando, a que memorizou nossos livros sibilinos, e vamos forçá-la a nos dar a sabedoria de nossos ancestrais. Quando isso acontecer, tenho certeza de que Apolo vai restaurar meu dom de profetizar. O Acampamento Júpiter será mais forte que nunca. Vamos governar o futuro. A expressão de preocupação de Mike não diminuía, mas ele erguia o punho em saudação. — Você é o chefe. — Sim, sou. — Octavian arrancava a adaga da mesa. — Agora vá dar uma olhada naqueles dois anões que você capturou. Quero eles devidamente aterrorizados quando eu for interrogá-los outra vez e mandá-los para o Tártaro. Nesse ponto, o sonho se desfez. — Ei, acorde. — Os olhos de Reyna se abriram lentamente. Gleeson Hedge estava debruçado sobre ela, sacudindo seu ombro. — Temos problemas. O tom grave da voz dele fez o sangue de Reyna se agitar. — O que houve? — Ela ergueu o corpo com dificuldade, colocando-se sentada. — Fantasmas? Monstros? Hedge fechou a cara. — Pior: turistas.

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