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Percy Jackson e o Dragão de Bronze

.. sábado, 30 de março de 2013

Percy Jackson e o Dragão de Bronze


Um dragão pode arruinar o seu dia. Confie em mim, como semideus, já tive minha cota de experiências ruins. Já apanhei, já fui apanhado, incendiado e envenenado. Já lutei com dragões de uma cabeça, de duas, de oito, de nove e com um tipo de tantas cabeças que se tivesse parado para contá-las com certeza estaria morto. Mas e aquela vez com o dragão de bronze? Sinceramente, achei que eu e meus amigos viraríamos ração de dragão.
A noite começou bem tranquila. Era final de junho. Eu tinha retornado de minha mais recente missão havia umas duas semanas, e a vida no Acampamento Meio-Sangue estava voltando ao normal. Sátiros perseguiam ninfas. Monstros uivavam na floresta. Os campistas pregavam peças uns nos outros, Dionísio transformava em arbusto qualquer um que não se comportasse. Coisas típicas de acampamento de verão.
Depois do jantar, os campistas ficaram conversando no pavilhão do refeitório. Estávamos todos empolgados porque a captura da bandeira naquela noite seria totalmente cruel. Na noite anterior, o chalé de Hefesto conseguira uma grande vitória. Eles capturaram a bandeira de Ares – com a minha ajuda, muito obrigado – o que significava que o chalé de Ares viria atrás de sangue. Bem... eles sempre vêm atrás de sangue, mas nessa noite estariam especialmente inspirados.
Na equipe azul estava o chalé de Hefesto, Apolo, Hermes e eu, o único semideus no chalé de Poseidon. Por ora, a má noticia era que Atena e Ares, ambos os chalés de deuses da guerra, estavam contra nós na equipe vermelha, junto a Afrodite, Dionísio e Deméter. O chalé de Atena guardava a outra bandeira, e minha amiga Annabeth era a sua capitã. Annabeth não é alguém que você gostaria de ter como adversária. Logo antes do jogo ela se virou para mim:
— Oi, Cabeça de Alga.
— Quer parar de me chamar assim?
Ela sabe que eu odeio esse nome, principalmente porque nunca consegui responder a altura. Ela é filha de Atena, o que não me dá muitas opções. Quer dizer “Cabeça de Coruja” e “Sabidinha” não são insultos de verdade.
— Você sabe que adora.
Ela bateu em mim com o ombro, o que imagino que era para ter sido um ato amigável, mas ela usava uma armadura grega completa, então, meio que doeu. Seus olhos cinzentos brilharam sob o elmo. Seu rabo de cavalo louro descia em um cacho sobre um dos ombros. Era difícil alguém ficar bonito numa armadura de combate, mas Annabeth conseguia.
— É o seguinte — ela baixou o tom de voz: — nós vamos destruir vocês esta noite, mas se você escolher uma posição segura... como o flanco direito, por exemplo... Garanto que não será tão massacrado.
— Uau, obrigado — comecei — mas estou jogando para vencer.
Ela sorriu.
— A gente se vê no campo de batalha.
Annabeth correu de volta para seus companheiros de equipe, que riram e a cumprimentaram tocando as mãos espalmadas no alto. Eu nunca a tinha visto tão feliz, como se a chance de me acertar fosse a melhor coisa que já acontecesse a ela. Beckendorf se aproximou com seu elmo embaixo do braço.
— Ela gosta de você, cara.
— Com certeza — murmurei. — Gosta de mim como alvo.
— Que nada, elas sempre fazem isso. Se uma garota tenta matar você, saiba que ela está na sua.
— Faz muito sentido.
Beckendorf deu de ombros.
— Conheço essas coisas. Você devia convidá-la para os fogos.
Não conseguia descobrir se ele estava falando sério. Beckendorf era conselheiro-chefe de Hefesto. Era um cara enorme com uma carranca permanente, tinha músculos como um jogador de futebol americano profissional e as mãos cheias de calos do trabalho nas forjas. Acabara de completar dezoito anos e ia para a Universidade de Nova York no outono. Por ele ser mais velho, eu costumava ouvi-lo sobre as coisas, mas a ideia de convidar Annabeth para os fogos do Quatro de Julho na praia – tipo, o maior programa de verão – fez meu estômago revirar.
Então, Silena Beauregard, a conselheira-chefe de Afrodite, passou por nós. Beckendorf tinha uma não tão secreta queda por ela havia três anos. Os cabelos dela eram longos e pretos e os olhos, grandes e azuis. Quando ela andava os caras se viravam para olhar.
— Boa sorte, Charlie — disse ela. (Ninguém nunca chamava Beckendorf pelo primeiro nome). Ela lançou para ele um sorriso brilhante e foi se juntar a Annabeth no time vermelho.
— Ah... — Beckendorf engoliu em seco.
Dei um tapinha em seu ombro.
— Obrigado pelo conselho, cara. Que bom que você é tão sábio com as garotas e tudo mais. Venha, vamos para a floresta.

***

Naturalmente, Beckendorf e eu ficamos com o trabalho mais perigoso. Enquanto o chalé de Apolo fazia a defesa com seus arcos, o chalé de Hermes ocupava o meio da floresta para distrair os adversários. Nesse meio tempo, Beckendorf e eu exploraríamos a área do flanco esquerdo, localizaríamos a bandeira do inimigo, derrubaríamos os defensores e levaríamos a bandeira de volta para o nosso lado. Simples.
— Por que o flanco esquerdo?
— Por que Annabeth queria que eu fosse para o direito — disse eu a Beckendorf. — O que significa que ela não quer que a gente vá para o esquerdo.
Ele assentiu.
— Vamos nos preparar.
Beckendorf vinha trabalhando numa arma secreta para nós dois: uma armadura camuflada de bronze, encantada para se misturar ao ambiente. Se estivéssemos diante de pedras, nossos peitorais elmos e escudos ficariam cinza. Se estivéssemos em frente a arbustos, o metal mudaria sua cor para verde-folha. Não era invisibilidade verdadeira, mas teríamos um disfarce muito bom, pelo menos à distância.
— Essa coisa levou uma eternidade para ser forjada — ele me disse. — Não a estrague!
— Pode deixar, Capitão.
Beckendorf rosnou. Eu diria que ele gostou de ter sido chamado de “Capitão”. O restante dos campistas de Hefesto nos desejou boa sorte e nós nos embrenhamos na mata, ficando imediatamente marrons e verdes como as árvores. Cruzamos o riacho que servia de fronteira entre as equipes. Ouvimos uma luta ao longe, espadas contra escudos. Notei um facho de luz vindo de alguma arma mágica, mas não vimos ninguém.
— Nenhum guarda de fronteira? — Beckendorf sussurrou. — Estranho.
— Excesso de confiança — supus.
Mas fiquei incomodado, Annabeth era uma ótima estrategista. Não era do seu feitio ser desleixada com a defesa, mesmo que sua equipe fosse maior que a nossa. Avançamos território inimigo adentro. Eu sabia que precisávamos ser rápidos porque nossa equipe estava jogando na defesa, e isso não duraria para sempre. Os filhos de Apolo seriam superados mais cedo ou mais tarde. O chalé de Ares não seria detido por uma coisinha como arcos. Nós nos arrastamos pela base de um carvalho. Quase morri de susto quando o rosto de uma menina emergiu do tronco.
— Shhhh! — disse ela.
E então desapareceu atrás de uma raiz.
— Ninfas do bosque — resmungou Beckendorf — que irritante.
Continuamos a avançar. Era difícil dizer exatamente onde estávamos. Alguns limites se mantinham, como o riacho, certos rochedos e algumas arvores muito antigas, mas a floresta tendia a transformar. Acho que os espíritos da natureza ficavam inquietos. Caminhos mudavam. Árvores se mexiam. De repente, estávamos nas bordas de uma clareira. Percebi que estávamos encrencados quando vi a montanha de sujeira.
— Santo Hefesto — murmurou Beckendorf — A Colina das Formigas.
Quis voltar e correr. Eu nunca havia visto a Colina das Formigas, mas tinha ouvido histórias de campistas mais velhos. O monte que chegava quase ao topo das árvores – quatro historias no mínimo. Suas laterais eram perfuradas por túneis que se espalhavam para dentro e para fora onde milhares de...
— Myrmekos — murmurei.
Era “formigas” em grego antigo, mas aquelas coisas eram mais que isso. Elas fariam qualquer exterminador ter um ataque cardíaco. Os Myrmekos eram do tamanho de pastores alemães. Suas cabeças blindadas cintilavam em vermelho-sangue. Os olhos brilhavam como contas pretas e as mandíbulas anavalhadas cortavam e estalavam. Alguns carregavam ramos de árvores. Outros levavam pedaços de carne crua, e eu não queria nem pensar de onde aquilo vinha. A maioria carregava pedaços de metal: armaduras antigas, espadas, pratos do refeitório até ali. Uma formiga estava arrastando uma lustrosa capota preta de um carro esporte.
— Elas adoram metal brilhante — Beckendorf sussurrou — Principalmente ouro. Ouvi dizer que elas tem mais no ninho do que Fort Knox — ele soou invejoso.
— Nem pense nisso.
— Cara não estou pensando nada — prometeu ele. — Vamos sair daqui enquanto nós...
A quinze metros de distancia, duas formigas lutavam para arrastar um enorme pedaço de metal em direção ao ninho. Era do tamanho de uma geladeira, todo feito de ouro e bronze reluzente, com saliências e pontas pela lateral e um ramo de fios preso na base. As formigas giraram a coisa e vi sua face. Quase morri de susto.
— Aquela é uma...
— Shhh! — Beckendorf me puxou de volta para os arbustos.
— Mas aquela é uma...
— Cabeça de dragão — disse ele em tom reverente — Sim. Estou vendo.
O focinho era tão longo quanto meu corpo. A boca estava aberta e mostrava dentes de metal, como os de um tubarão. A pele era uma combinação de escamas de ouro e bronze e os olhos eram rubis tão grandes quanto meus punhos. A cabeça parecia ter sido cortada do corpo por mandíbulas de formigas. Havia fios cortados e emaranhados. A cabeça também devia ser pesada, porque as formigas se esforçavam, mas só conseguiam movê-la alguns centímetros a cada puxão.
— Se elas levarem a cabeça até o monte, as outras ajudarão — disse Beckendorf — Precisamos impedi-las.
— O quê? — perguntei — Por quê?
— Este é um sinal de Hefesto. Venha!
Eu não sabia a que Beckendorf se referia, mas nunca o vira tão determinado. Ele correu pela margem da clareira, sua armadura se confundindo com as árvores. Eu estava prestes a segui-lo quando alguma coisa pontuda e fria pressionou o meu pescoço.
— Surpresa! — disse Annabeth, bem a meu lado.
Ela devia estar usando o seu boné mágico dos Yankees porque estava totalmente invisível. Tentei me mexer, mas ela colocou a faca embaixo do meu queixo. Silena surgiu da floresta com a espada desembainhada. Sua armadura de Afrodite era rosa e vermelha, cores escolhidas para combinar com as roupas e a maquiagem. Ela parecia uma Barbie Guerreira.
— Bom trabalho — disse ela a Annabeth.
Mãos invisíveis confiscaram a minha espada. Annabeth tirou seu boné e apareceu diante de mim, com um sorriso presunçoso.
— Garotos são tão fáceis de seguir. Eles fazem mais barulho do que um Minotauro apaixonado.
Senti meu rosto quente. Tentei relembrar os fatos na esperança de não ter dito nada embaraçoso. Era impossível saber por quanto tempo Annabeth e Silena nos espionaram.
— Você é o nosso prisioneiro — anunciou Annabeth. — Vamos pegar Beckendorf e...
— Beckendorf!
Por meio segundo eu o tinha esquecido, mas ele ainda avançava, diretamente para a cabeça do dragão. Já estava a doze metros de distância. Ele não notara as garotas, ou o fato de que eu não estava atrás dele.
— Vamos! — disse eu a Annabeth.
Ela me puxou de volta.
— Aonde você pensa que vai, prisioneiro?
— Veja!
Beckendorf saltou e atingiu uma das formigas. Sua espada tiniu contra a carapaça da coisa. A formiga se virou, estalando as pinças. Antes mesmo que eu pudesse avisá-lo ela mordeu a perna de Beckendorf e ele caiu ferido no chão. Uma segunda formiga borrifou uma gosma em seu rosto, e Beckendorf gritou. Ele deixou a espada cair e esfregava os próprios olhos loucamente. Eu me dirigi para alcançá-lo, mas Annabeth me puxou de volta.
— Não!
— Charlie! — berrou Silena.
— Não — disse Annabeth entre os dentes — Já é tarde demais.
— Do que você está falando? — eu quis saber — nós precisamos...
Então notei mais e mais formigas se aproximando de Beckendorf... dez, vinte. Elas o agarraram pela armadura e o afastaram tão rápido em direção à colina que ele foi varrido para dentro do túnel e sumiu.
— Não! — Silena empurrou Annabeth — você deixou que eles levassem Charlie!
— Não há tempo para discussão — disse Annabeth — Vamos!
Pensei que ela fosse nos liderar numa ação para salvar Beckendorf, mas em vez disso, ela correu para a cabeça do dragão, que as formigas haviam esquecido momentaneamente. Ela agarrou pelos fios e começou a arrastá-la para a floresta. — O que você está fazendo? — eu quis saber — Beckendorf...
— Ajude-me — Annabeth rosnou — rápido, antes que elas voltem.
— Ah, meus deuses! — disse Silena. — Você está mais preocupada com esse monte de metal do que com Charlie?
Annabeth girou nos calcanhares e a sacudiu pelos ombros.
— Escute Silena! Aqueles são Myrmekos. Eles são como formigas-de-fogo, só que cem vezes pior. Eles picam injetando veneno. Eles borrifam ácido. Eles se comunicam com todos os outros e enxameiam qualquer coisa que os ameace. Se avançássemos até lá para ajudar Beckendorf, seriamos arrastados para dentro também. Vamos precisar de ajuda... muita ajuda... para trazê-lo de volta. Agora agarre alguns fios e puxe.
Eu não sabia o que Annabeth pretendia, mas eu já tinha vivido aventuras o bastante com ela para saber que devia haver uma boa razão para fazer o que ela dizia. Nós três rebocamos a cabeça de metal do dragão para o meio da floresta. Annabeth não nos deixou parar até que estivéssemos a quarenta e cinco metros da clareira. Então, caímos de cansaço, suando e respirando com dificuldade. Silena começou a chorar.
— Ele provavelmente já está morto.
— Não — Annabeth retrucou — elas não vão matá-lo agora. Temos cerca de meia hora.
— Como você sabe disso? — perguntei.
— Li sobre os Myrmekos. Eles paralisam a presa para que possam amaciá-la antes de...
Silena gemeu.
— Precisamos salvá-lo!
— Silena, vamos salvá-lo, mas preciso que você se controle — disse Annabeth. — Existe uma chance.
— Chame os outros campistas — eu disse — ou Quíron. Quíron saberá o que fazer.
Annabeth balançou a cabeça.
— Eles estão espalhados por toda a floresta. Quando tivermos todos aqui de volta, poderá ser tarde demais. Além disso, nem mesmo todo o acampamento seria suficiente forte para invadir a Colina das Formigas.
— E então?
Annabeth apontou para a cabeça do dragão.
— Tá. Você vai assustar as formigas com um grande boneco de metal?
— É um autômato — informou ela.
Isso não fez com que eu me sentisse muito melhor. Autômatos eram robôs de bronze mágicos feitos por Hefesto. A maioria deles eram máquinas assassinas enlouquecidas, e isso quando eram boazinhas.
— E daí? É só uma cabeça. Está quebrado.
— Percy, esse não é um autômato qualquer — retrucou Annabeth — É o dragão de bronze. Você não conhece as histórias?
Eu a encarei, sem entender. Annabeth estava no acampamento há muito mais tempo do que eu. Ela provavelmente conhece toneladas de histórias que eu não conheço. Os olhos de Silena se arregalaram.
— Você está falando do antigo guardião? Mas essa é só uma lenda.
— Epa! Que antigo guardião?
Annabeth inspirou profundamente.
— Percy, no tempo anterior ao pinheiro de Thalia, antes do acampamento ter fronteiras mágicas para manter os monstros afastados, os conselheiros tentaram inúmeras maneiras diferentes para se proteger. A mais famosa foi o dragão de bronze. O chalé de Hefesto o fez com a bênção de seu pai. Supostamente ele era tão feroz e poderoso que manteve o acampamento a salvo por mais de uma década. E, então... há cerca de quinze anos, ele desapareceu na floresta.
— E você acha que essa cabeça é a dele?
— Tem de ser! Provavelmente os Myrmekos o desenterraram quando procuravam metais preciosos. Eles não puderam mover a coisa toda, então, cortaram a cabeça com os dentes. O corpo não pode estar muito longe.
— Mas eles separaram totalmente a cabeça. É inútil.
— Não necessariamente. — Os olhos de Annabeth se estreitaram e eu podia jurar que seu cérebro fazia um esforço extra. — Nós poderíamos reunir as partes. Se pudéssemos ativá-lo...
— Ele poderia nos ajudar a resgatar Charlie! — Silena concluiu.
— Espere aí — disse eu — São muitos “ses”. Se nós o encontramos, se o reativarmos a tempo, se ele nos ajudar. Você disse que essa coisa desapareceu há quinze anos?
Annabeth fez que sim.
— Alguns dizem que seu motor pifou pelo uso então ele foi para a floresta se desativar. Ou que seu programa perdeu o controle. Ninguém sabe.
— Você quer reativar um dragão de metal descontrolado?
— Nós precisamos tentar! — insistiu Annabeth — É a única esperança para Beckendorf! Além disto, este pode ser um sinal de Hefesto. O dragão deve querer ajudar um dos filhos de Hefesto. Beckendorf ia querer que nós tentássemos.
Não gostei da ideia. Por outro lado, eu não tinha uma sugestão melhor. Nosso tempo estava acabando e Silena entraria em choque se não fizéssemos alguma coisa logo.
Beckendorf tinha dito algo sobre um sinal de Hefesto. Talvez estivesse na hora de descobrir.
— Certo — concordei. — Vamos em busca de um dragão sem cabeça.

***

Procuramos por uma eternidade. Ou talvez tenha sido apenas uma sensação, porque o tempo todo fiquei imaginado Beckendorf na Colina das Formigas, amedrontado e paralisado, enquanto um bando de seres em armaduras o cercavam, esperando que ele estivesse mais macio. Não era difícil seguir as trilhas das formigas. Elas haviam arrastado a cabeça do dragão pela floresta, deixando um sulco profundo na lama. E nós arrastamos a cabeça de volta pelo caminho de onde as formigas tinham vindo. Devíamos ter percorrido uns vinte metros quando comecei a me preocupar com o nosso tempo, quando Annabeth disse:
— Di immortales.
Chegamos a beira de uma cratera, como se alguma coisa tivesse aberto um buraco do tamanho de uma casa no chão. As laterais irregulares e pontilhadas de raízes estavam amontoadas de metal brilhando no meio da sujeira. Fios saíam de um tronco de bronze em uma das extremidades.
— O pescoço do dragão — conclui — Você acha que as formigas fizeram essa cratera?
Annabeth balançou a cabeça.
— Parece mais como uma explosão de meteoros...
— Hefesto — disse Silena — o deus deve ter desenterrado isso. Hefesto queria que nos encontrássemos o dragão. Ele queria que Charlie... — Ela estava em choque.
— Venham — convoquei — Vamos reconectar esse badboy.
Levar a cabeça do dragão para o fundo foi fácil. Ela caiu direto pela descida e atingiu o pescoço com um sonoro e metálico BONK! Reconectar foi mais difícil. Annabeth se enrolou com os fios e xingou em grego antigo.
— Precisamos de Beckendorf. Ele poderia fazer isso em segundos.
— A sua mãe não é a deusa dos inventos? — perguntei.
Annabeth me olhou furiosa.
— É, mas isso é diferente. Sou boa com ideias. Não com mecânica.
— Se eu fosse escolher alguém no mundo para recolocar minha cabeça no lugar, escolheria você.
Eu simplesmente soltei aquilo – para passar confiança a ela, eu acho – mas imediatamente depois percebi que a frase soara bem estúpida.
— Ownnn... — Silena fungou e secou os olhos — Percy isso é tão fofo.
Annabeth corou.
— Cala a boca, Silena. Passe a sua adaga para mim.
Tive medo que Annabeth fosse me esfaquear. Em vez disso, ela usou a adaga como uma chave de fenda para abrir um painel no pescoço do dragão.
— Assim não vamos chegar a lugar algum — disse ela.
Então ela começou a unir os fios de bronze celestial. Isso levou um longo tempo. Muito longo. Calculei que aquela altura, a captura da bandeira devia ter acabado. Imaginei quanto tempo levaria para que os outros campistas dessem pela nossa falta e viessem nos procurar.
Se os cálculos de Annabeth estavam corretos (e eles sempre estavam), provavelmente Beckendorf teria ainda cinco ou dez minutos antes de as formigas o atacarem. Finalmente, Annabeth se levantou e expirou o ar de seus pulmões com força. Suas mãos estavam arranhadas e sujas. As unhas estavam estragadas. Havia uma linha marrom, onde o dragão cuspira graxa.
— Certo, está pronto, eu acho...
— Você acha? — Silena perguntou.
— Tem de estar pronto — disse eu — Nosso tempo está acabando. Como nós, ahn, ligamos isso? Ele tem algum botão ou coisa parecida?
Annabeth apontou para os olhos de rubi do dragão.
— Eles se movem em sentido horário. Acho que devemos girá-los.
— Se alguém rodasse meus globos oculares, eu acordaria — concordei. — E se ele se enfurecer com a gente?
— Então... estamos mortos — Annabeth respondeu.
— Ótimo — devolvi — isso é animador.
Juntos, giramos os olhos de rubi do dragão. Imediatamente eles começaram a brilhar. Eu e Annabeth nos afastamos tão rápido, que caímos um por cima do outro.
A boca do dragão se abriu, como se testasse o maxilar. A cabeça se virou e olhou para nós. Vapor emanou das orelhas e ele tentou se levantar. Quando descobriu que não podia se mexer o dragão pareceu confuso. Ele ergueu a cabeça e observou a sujeira. Finalmente, entendeu que estava enterrado. O pescoço se estendeu uma vez, duas... e o centro da cratera estourou. O dragão se levantou, desajeitadamente, sacudindo montes de lama do corpo como um cachorro e nos respingando dos pés a cabeça.
O autômato era tão incrível que nenhum de nós conseguia falar. Quer dizer, claro que ele precisaria de uma passadinha num lava jato e havia alguns fios soltos aqui e ali, mas o corpo do dragão era maravilhoso, como um tanque ultramoderno com pernas. Suas laterais eram chapeadas com escamas de bronze e de ouro, com pedras preciosas incrustadas. As pernas eram do tamanho de três caminhões e os pés tinham garras de aço. Ele não tinha asas – a maioria dos dragões gregos não têm – mas a cauda era no mínimo tão longa quanto a parte principal do corpo, que era do tamanho de um ônibus escolar. O pescoço rangeu e estalou quando ele virou a cabeça para o céu e soprou uma coluna de fogo triunfante.
— Bom... — eu disse baixinho — ainda funciona.
Infelizmente ele me ouviu. Aqueles olhos de rubi fixaram-se em mim e seu focinho estacou a cinco centímetros do meu rosto. Instintivamente busquei minha espada.
— Dragão, pare! — Silena gritou.
Eu estava impressionado por ela ainda ter voz. Falou com tanta decisão que o autômato desviou a atenção para ela. Silena engoliu em seco, nervosa.
— Nós o acordamos para defender o acampamento. Você se lembra? Esse é o seu trabalho!
O dragão inclinou a cabeça, como se pensasse. Imaginei que Silena tinha cinquenta por cento de chances de levar uma raja de fogo. Eu considerava hipóteses de pular no pescoço da coisa e distraí-la, quando Silena continuou.
— Charles Beckendorf, filho de Hefesto, está com problemas. Os Myrmekos o levaram. Ele precisa de sua ajuda.
Ao som da palavra Hefesto, o pescoço do dragão se ajeitou. Um tremor percorreu seu corpo de metal, jogando uma nova chuva de metal sobre nós. O dragão olhou como se tentasse encontrar o inimigo.
— Nós precisamos mostrar a ele — disse Annabeth. — Venha dragão! Por esse caminho até o filho de Hefeto! Siga-nos!
Assim, ela desembainhou sua espada e nós três saímos do buraco.
— Por Hefesto! — Annabeth gritou, o que foi uma ideia legal.
Avançamos pela floresta. Quando olhei para trás, o dragão de bronze estava bem na nossa cola, os olhos vermelhos brilhavam e saía fumaça de suas narinas. Ele era um bom incentivo para continuarmos correndo enquanto nos dirigíamos em direção a Colina das Formigas.
Quando chegamos à clareira, o dragão parecia ter sentido o cheiro de Beckendorf. Ele nos ultrapassou e tivemos de sair do caminho para não sermos achatados. Ele batia contra as árvores, as articulações rangiam e os pés deixavam crateras no solo. Ele avançou direto para a Colina das Formigas.
No início, os Myrmekos não entenderam o que acontecia. O dragão pisou em alguns deles, transformando-os em suco de inseto. Então, a rede telepática das formigas pareceu se ativar, como se dissesse: Dragão gigante. Mau! Todas as formigas da clareira se viraram ao mesmo tempo e rodearam o dragão. Mais delas transbordavam da colina, centenas. O dragão cuspiu fogo e uma fileira inteira de formigas bateu em retirada, em pânico. Quem diria que formigas eram inflamáveis? Porém mais delas continuavam vindo.
— Para dentro, agora! — Annabeth comandou — Enquanto elas estão concentradas no dragão!
Silena liderou a movimentação. Era a primeira que eu seguia uma filha de Afrodite numa batalha. Passamos pelas formigas correndo, mas elas nos ignoraram. Por alguma razão, elas pareciam considerar o dragão uma ameaça maior. Vai entender. Mergulhamos no túnel mais próximo e eu quase vomitei com o fedor.
Nada, nada mesmo, cheira tão mal quanto uma toca gigante de formigas. Eu poderia jurar que elas deixavam a comida apodrecer antes de comê-la. Alguém precisava seriamente contar para elas que existiam geladeiras.
Nossa jornada lá dentro foi um borrão escuro de ambientes mofados forrados com carapaça de formigas velhas e piscina de gosma. Formigas agitavam-se passado por nós a caminho da batalha. Mas apenas dávamos um passo para o lado e as deixávamos passar. O fraco brilho de bronze da minha espada nos deu luz enquanto seguíamos para a profundeza do ninho.
— Vejam! — Apontou Annabeth.
Espiei uma sala lateral e meu coração falhou uma batida. Pendurados no teto estavam enormes sacos gosmentos, larvas de formiga, eu acho, mas não foi isso que chamou minha atenção. O chão da gruta estava cheio de moedas de ouro, pedras preciosas e outros tesouros como capacetes, espadas, instrumentos musicais, joias. Brilhavam como se fossem objetos mágicos.
— Essa é só uma sala — Annabeth comentou — provavelmente existem centenas de berçários aqui embaixo decorados com tesouros.
— Isso não é importante — Silena insistiu. — Temos de encontrar Charlie.
Outra primeira vez: uma filha de Afrodite que não estava interessada em joias. Seguimos em frente. Depois de mais de uns seis metros, entramos em uma caverna que cheirava tão mal, que meu nariz se fechou completamente. Os restos de refeições velhas estavam numa pilha tão alta quanto dunas de areia: ossos, montes de carne estragada, até antigas refeições do acampamento. Acho que as formigas faziam incursões a pilha de restos do refeitório e roubavam nossas sobras. Na base de uma pilha, esforçando-se para manter-se ereto, via-se Beckendorf. Ele estava horrível em parte porque sua armadura camuflada agora era da cor do lixo.
— Charlie! — Silena correu para ele e tentou puxá-lo.
— Graças aos deuses — disse ele. — Minhas... minhas pernas estão paralisadas!
— Isso vai passar — disse Annabeth. — Mas temos de tirar você daqui. Percy, pegue-o pelo outro lado. Eu e Silena suspendemos Beckendorf e nós quatro começamos a voltar pelos túneis.
Eu podia ouvir sons distintos de batalha: metal rangendo, rugidos de fogo, centenas de formigas mordendo e cuspindo.
— O que está acontecendo lá fora? — Beckendorf quis saber. Seu corpo se enrijeceu — O dragão! Vocês não... o reativaram, né?
— Acho que sim — respondi — Pareceu a única opção.
— Mas vocês não podem simplesmente ligar um autômato! Vocês tem de calibrar ao motor, processar um diagnóstico... Não há como prever o que ele vai fazer! Temos de ir ate lá!
Acabou que não precisamos ir a lugar nenhum, porque o dragão veio ate nós. Tentávamos lembrar qual túnel levava a saída quando a colina inteira explodiu, cobrindo-nos de sujeira. De repente, estávamos olhando para céu aberto. O dragão estava exatamente acima de nós. Golpeava para frente e para trás e reduzia a Colina das Formigas a pó enquanto tentava se livrar dos Myrmekos espalhados pelo corpo.
— Vamos — gritei.
Cavamos para fora da sujeira e caímos aos tropeços pela lateral da colina, puxando Beckendorf conosco. Nosso amigo dragão estava com problemas. Os Myrmekos mordiam as articulações de sua armadura, cuspindo ácido sobre ela. O dragão pisoteava, estalava e soltava chamas, mas não resistiria muito mais. Fumaça saía de sua cabeça de bronze.
Para piorar, algumas formigas se voltaram para nós. Acho que não gostaram de termos roubado seu jantar. Eu retalhei uma e cortei sua cabeça. Annabeth apunhalou outra bem em meio às antenas. Assim que o bronze celestial penetrou a carapaça da formiga, ela se desintegrou completamente.
— Eu... eu acho que consigo andar agora — disse Beckendorf, e imediatamente caiu de cara no chão quando o soltamos.
— Charlie!
Silena o ajudou a se levantar e o puxou com dificuldade enquanto eu e Annabeth abríamos caminho entre as formiga. De alguma maneira, conseguimos atingir a margem da clareira sem sermos mordidos ou cuspidos, embora um dos meus tênis estivesse soltando fumaça por causa do ácido. Ainda na clareira, o dragão tropeçou. Uma grande nuvem de névoa ácida irritava sua couraça.
— Não podemos deixá-lo morrer! — disse Silena.
— É muito perigoso — retrucou Beckendorf , triste — sua rede elétrica...
— Charlie — implorou Silena — ele salvou sua vida! Por favor, por mim.
Beckendorf hesitou. Seu rosto ainda estava muito vermelho por causa da saliva das formigas, e ele tinha a aparência de quem ia desmaiar a qualquer momento, mas se esforçava para manter em pé.
— Preparem-se para correr — comandou ele. Então observou a clareira e berrou: — DRAGÃO! Defesa emergencial, beta ATIVAR!
O dragão se virou na direção do som da voz de Beckendorf. Ele parou de lutar contra as formigas, e seus olhos brilharam. O ar se encheu do cheiro de ozônio, como antes de uma tempestade com raios e trovões.
ZZZZZZZAAAAAAPPPPP!
A pele do dragão lançou descargas elétricas em ondas para cima e para baixo do seu corpo, conectando-o com as formigas. Algumas delas explodiram. Outras queimaram, ficaram pretas e contorceram sobre as patas. Em poucos segundos, não havia mais formigas sobre o dragão. As que ainda estavam vivas bateram em franca retirada, escapando de volta para a colina arruinada enquanto raios elétricos atingiam-nas no traseiro, apressando-as. O dragão urrou triunfante. Então, ele virou os olhos brilhantes para nós.
— Agora — disse Beckendorf — nós corremos.
Desta vez não gritamos “Por Hefeto!”. Gritamos “Socoooooorro!”. O dragão veio nos golpear, soltando fogo e lançando raios sobre as nossas cabeças como se estivesse se divertindo muito.
— Como se para essa coisa? — gritou Annabeth.
Beckendorf, cujas pernas agora estavam boas (nada como ser perseguido por um monstro enorme para o corpo ficar em ordem), sacudiu a cabeça e arfou.
— Vocês não deveriam tê-lo ligado! Ele é instável! Depois de alguns anos, autômatos ficam descontrolados!
— Bom saber — gritei — Mas como se desliga?
Beckendorf olhou em volta freneticamente.
— Lá.
Uma enorme formação rochosa estava à nossa frente, quase tão alta quanto as árvores. A floresta era cheia de pedras estranhas, mas eu nunca tinha visto uma assim. Tinha o formato de uma rampa de skate gigante, inclinada em um dos lados e com uma descida íngreme do outro.
— Corram acompanhando a base do despenhadeiro — disse Beckendorf — Distraiam o dragão. Mantenham-no ocupado!
— O que você vai fazer? — quis saber Silena.
— Você verá. Vão!
Beckendorf sumiu atrás de uma árvore enquanto eu virei e gritei para o dragão:
— Ei boca de jacaré! Seu bafo tem cheiro de gasolina!
O dragão soltou fumaça pelas narinas. Ele avançou para cima de mim, sacudindo o chão.
— Vamos! — Annabeth agarrou minha mão.
Corremos para trás do despenhadeiro. O dragão nos seguiu.
— Precisamos segurá-lo aqui — disse ela.
Nós três preparamos nossas espadas. O dragão nos alcançou e cambaleou até parar. Ele inclinou a cabeça como se não acreditasse que seríamos tão burros a ponto de lutar. Agora que nos alcançara, havia tantas maneiras diferentes de nos matar que ele provavelmente não conseguia decidir. Nós nos separamos quando a primeira rajada de fogo transformou o pedaço do chão próximo a nós num buraco de cinzas.
Então, vi Beckendorf sobre nós, no alto do despenhadeiro, e entendi o que ele tentava fazer. Ele precisava de um alvo limpo. Eu tinha de prender a atenção do dragão.
— Iááááá!
Avancei. Enfiei Contracorrente na pata do dragão e cortei uma garra. Sua cabeça rangeu enquanto olhava para baixo, para mim. Ele parecia mais confuso que enraivecido, tipo: Porque você arrancou o meu dedo? Então, ele abriu a boca, revelando uma centena de dentes pontiagudos.
— Percy! — Annabeth me advertiu.
Mantive minha posição.
— Só mais um segundo...
— Percy!
E exatamente quando o dragão ia me atacar, Beckendorf se lançou nas rochas e aterrissou no pescoço do autômato. O dragão empinou-se e soltou chamas, tentando sacudir Beckendorf, mas ele se segurou como um caubói ao mesmo tempo em que o monstro dava cabeçadas a esmo. Eu observava, fascinado, enquanto Beckendorf abria a força um painel na base da cabeça do dragão e arrancava um fio. Instantaneamente, o dragão congelou. Seus olhos ficaram opacos. De repente, ele era só uma estátua de bronze mostrando os dentes para o céu.
Beckendorf deslizou pelo pescoço do dragão. Ele desabou ao chegar a cauda, exausto e respirando com dificuldade.
— Charlie! — Silena correu até ele e lhe deu um longo beijo no pescoço. — Você conseguiu!
Annabeth veio até mim e apertou meu ombro de leve.
— Ei, Cabeça de Alga, você está bem?
— Sim... eu acho.
Eu pensava em quão perto eu cheguei de virar um semideus moído na boca do dragão.
— Você foi ótimo.
O sorriso de Annabeth era muito melhor do que o daquele dragão idiota.
— Você também — disse eu, trêmulo. — Então... o que fazemos com o autômato?
Beckendorf secou a testa. Silena ainda cuidava dos cortes e machucados dele, que parecia bem distraído com toda aquela atenção.
— Nós... é... eu não sei — respondeu ele. — Talvez possamos consertá-lo, fazê-lo proteger o acampamento, mas isso poderia levar messes.
— Vale tentar — comentei.
Imaginei termos aquele dragão de bronze na nossa luta contra Cronos, o Senhor dos Titãs. Seus monstros pensariam duas vezes antes de atacar o acampamento se tivessem de encarar aquela coisa. Por outro lado, se o dragão decidisse ser um bárbaro furioso de novo e atacasse os campistas... isso seria muito pior.
— Você viu todo aquele tesouro na Colina das Formigas? — Beckendorf perguntou. — As armas mágicas? A armadura? Aquelas coisas realmente poderiam nos ajudar.
— E os braceletes — Silena comentou. — E todos os colares.
Estremeci só de lembrar o cheiro daqueles túneis.
— Acho que essa é uma aventura para depois. Seria necessário um exército de semideuses somente para chegar perto daquele tesouro.
— Talvez — ponderou Beckendorf — Mas que tesouro...
Silena estudou o dragão paralisado.
— Charlie, essa foi a coisa mais corajosa que eu já vi... você pulando naquele dragão.
Beckendorf engoliu em seco.
— Hum... é. Então... você quer ir aos fogos comigo?
O rosto de Silena se animou.
— Claro, seu tolinho! Pensei que nunca fosse me convidar!
De repente Beckendorf pareceu estar muito melhor.
— Bom, vamos voltar, então! Aposto que a captura da bandeira já acabou.

***

Tive de ir descalço, porque o ácido corroeu completamente meu sapato. Quando o joguei fora, percebi que a gosma tinha ensopado minha meia e deixado meu pé em carne viva. Eu me apoiei em Annabeth e ela me ajudou a seguir pela floresta coxeando.
Beckendorf e Silena caminhavam à nossa frente, de mãos dadas, e nós os deixamos à vontade. Observando os dois, com meu braço em volta de Annabeth para me apoiar, me senti bastante desconfortável. Silenciosamente amaldiçoei Beckendorf por ele ser tão corajoso, e não estou me referindo a enfrentar o dragão. Depois de três anos, ele finalmente encontrou coragem para convidar Silena Beauregard para sair. Isso não era justo.
— Sabe — Annabeth começou a dizer enquanto nos esforçávamos para andar — essa não foi a coisa mais corajosa que eu já vi.
Pisquei. Será que ela lia meus pensamentos?
— Hum... o que você quer dizer?
Annabeth segurou meu pulso quando passamos desajeitados por um córrego raso.
— Você encarou o dragão para que Beckendorf tivesse a chance de pular... isso foi corajoso.
— Ou muito idiota.
— Percy você é um cara corajoso — afirmou ela. — Apenas aceite o elogio. É tão difícil assim?
Nossos olhares se encontraram. Nossos rostos estavam, tipo, a cinco centímetros de distância um do outro. Senti o peito meio esquisito, como se meu coração tentasse fazer polichinelos.
— Então... — comecei — acho que Silena e Charlie vão as fogos juntos.
— Acho que sim — Annabeth concordou.
— É... — continuei — hum sobre isso...
Não sei o que eu teria dito, mas, justo naquele instante, três irmãos de Annabeth do chalé de Atena brotaram dos arbustos com as espadas desembainhadas. Quando eles nos viram começaram a rir.
— Annabeth! — um deles a chamou. — Bom trabalho! Vamos prender esses dois.
Eu o encarei.
— O jogo não acabou?
O campista de Atena gargalhou.
— Ainda não... mas acabará logo, logo. Agora que capturamos você.
— Cara, o que é isso — Beckendorf protestou — Nós nos desviamos do jogo. Havia um dragão e toda a Colina das Formigas nos atacou.
— Ahã. — outro garoto de Atena se manifestou claramente não impressionado. — Ótimo trabalho distraindo os dois, Annabeth. Funcionou perfeitamente. Você quer que nós os levemos a partir daqui?
Annabeth se afastou de mim. Eu jurava que ela ia nos dar passe livre para a fronteira, mas ela desembainhou a espada e a apontou para mim com um sorriso.
— Não — disse ela. — Eu e Silena podemos fazer isso. Vamos, prisioneiros. Mexam-se.
Eu a encarei pasmo.
— Você planejou isso? Você planejou a coisa toda só para nos manter fora do jogo?
— Percy, sério, como eu poderia ter planejado isso? O dragão, as formigas... você acha que eu poderia ter previsto tudo?
Pode não parecer, mas essa é Annabeth. Era impossível conhecê-la totalmente. Então, ela trocou olhares com Silena, e eu podia jurar que elas tentavam não rir.
— Você... sua... — comecei a dizer, mas não consegui pensar num nome forte o bastante para xingá-la.
Protestei por todo o caminho, até a prisão, assim com Beckendorf. Era muito injusto sermos tratados como prisioneiros depois de tudo o que passamos. Mas Annabeth apenas sorriu e nos prendeu. Enquanto se dirigia de volta para a linha de frente, ela se virou e piscou.
— Vejo você nos fogos?
Ela nem esperou pela minha resposta antes de se lançar para a floresta. Olhei para Beckendorf.
— Ela acabou de... me convidar para sair?
Ele deu de ombros completamente enojado.
— Quem vai entender as garotas? Prefiro encarar um dragão descontrolado.
Então, nós nos sentamos e esperamos as garotas ganharem o jogo.

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