Capítulo X - Leo
— VOCÊ MANDOU MUITO BEM — DISSE Percy — quando escolheu um lugar com ar-condicionado.
Ele e Leo tinham acabado de fazer uma busca no museu. Agora estavam sentados em uma ponte que cruzava o Rio Kladeos, ambos com os pés balançando acima da água enquanto esperavam que Frank e Hazel terminassem de procurar nas ruínas.
À esquerda deles, o vale de Olímpia tremeluzia ao sol da tarde. À direita, o estacionamento de visitantes estava lotado de ônibus de turismo. Ainda bem que eles tinham ancorado o Argo II trinta metros acima do chão, porque senão nunca teriam encontrado uma vaga.
Leo jogou uma pedra no rio. Queria que Hazel e Frank voltassem. Ele se sentia meio constrangido andando com Percy.
Um motivo era não saber como puxar conversa com um cara que tinha acabado de voltar do Tártaro. Viu o último episódio de Doctor Who? Ah, verdade. Você estava passeando pelo Poço da Condenação Eterna!
Percy já era bem intimidante antes: invocando furacões, lutando contra piratas, matando gigantes no Coliseu...
Agora... Bem, depois do que havia acontecido no Tártaro, parecia que Percy pertencia a um nível totalmente diferente de herói.
Leo não conseguia nem acreditar que eles faziam parte do mesmo acampamento. Os dois nunca haviam estado ao mesmo tempo no Acampamento Meio-Sangue. O colar de couro de Percy tinha quatro contas por quatro verões completos. O colar de couro de Leo tinha exatamente nenhuma.
A única coisa que eles tinham em comum era Calipso, e sempre que Leo se lembrava disso, tinha vontade de dar um soco na cara de Percy. Ele não parava de pensar que deveria tocar no assunto, só para esclarecer as coisas, mas nunca parecia o momento certo. E, à medida que os dias passavam, ficava cada vez mais difícil falar sobre isso.
— O que foi? — perguntou Percy.
Leo levou um susto.
— Hã?
— Você estava me encarando, tipo, com raiva.
— Estava? — Leo pensou em fazer uma piada, ou pelo menos dar um sorriso, mas não conseguiu. — Hum, desculpe.
Percy olhou para o rio.
— Eu acho que a gente precisa conversar.
Ele abriu a mão, e a pedra que Leo havia jogado saiu voando do rio e foi parar direto na mão de Percy.
Ah, pensou Leo, agora é a hora de se exibir?
Ele teve vontade de lançar uma coluna de fogo no ônibus de turismo mais próximo e explodir o tanque de gasolina, mas achou que isso seria um pouco exagerado demais.
— Talvez a gente deva conversar. Mas...
— Ei, vocês!
Frank estava parado na outra extremidade do estacionamento, acenando para eles. Ao seu lado, Hazel estava montada em seu cavalo, Arion, que aparecera sem aviso assim que eles aterrissaram.
Salvo pelo Zhang, pensou Leo.
Ele e Percy foram correndo se juntar aos amigos.
* * *
— Este lugar é enorme — explicou Frank. — As ruínas se estendem desde o rio até a base daquela montanha, a cerca de meio quilômetro daqui.
— Quanto dá isso em medidas normais, como milhas? — perguntou Percy.
Frank revirou os olhos.
— Essa é uma medida normal no Canadá e no resto do mundo. Só vocês, americanos...
— Cerca de cinco ou seis campos de futebol americano — interveio Hazel, alimentando Arion com um grande pedaço de ouro.
Percy abriu os braços.
— Era só você dizer isso.
— Enfim — prosseguiu Frank. — Lá do alto eu não vi nada suspeito.
— Nem eu — disse Hazel. — Dei uma volta completa pelo perímetro com Arion. Muitos turistas, mas nenhuma deusa maluca.
O grande garanhão relinchou e remexeu a cabeça, contraindo os músculos do pescoço sob a pelagem castanha.
— Cara, ele sabe mesmo xingar. — Percy balançou a cabeça. — E não gosta muito de Olímpia.
Pelo menos daquela vez, Leo concordava com o cavalo. Ele não era fã da ideia de caminhar por campos cheios de ruínas sob um sol escaldante, abrindo caminho através de hordas de turistas suados para tentar encontrar uma deusa da vitória com dupla personalidade. Além disso, Frank já sobrevoara todo o vale na forma de águia. Se seus olhos aguçados não haviam visto nada, talvez não houvesse nada para ser visto.
Por outro lado, o cinto de ferramentas de Leo estava cheio de brinquedos perigosos. Ele ia odiar voltar para casa sem explodir alguma coisa.
— Então vamos passear por aí — disse ele. — Esperar que o problema nos encontre. Isso sempre funcionou antes.
Eles procuraram por um tempo, evitando grupos de turistas e pulando de uma faixa de sombra para outra. Leo ficou impressionado, e não pela primeira vez, ao ver como a Grécia era parecida com seu estado natal, o Texas: as colinas baixas, os arbustos, o canto das cigarras e o calor opressivo no verão. Se as colunas e os templos em ruínas fossem trocados por vacas e arame farpado, ele se sentiria em casa. Frank achou um panfleto turístico (sério, o cara devia ler até os ingredientes no rótulo de uma lata de sopa) e deu a eles uma explicação rápida sobre o que era o quê.
— Aquilo ali é o Propileu. — Ele gesticulou na direção de uma trilha de pedras margeada por colunas desmoronadas. — Um dos principais portões de entrada para o vale olímpico.
— Pedras! — disse Leo.
— E ali... — Frank apontou para uma fundação quadrada que parecia o pátio de um restaurante mexicano — fica o templo de Hera, uma das estruturas mais antigas daqui.
— Mais pedras! — disse Leo.
— E aquele negócio redondo que parece um coreto... é o Filipeu, dedicado a Filipe da Macedônia.
— E ainda mais pedras! Pedras de primeira categoria!
Hazel, ainda montada em Arion, deu um chute no braço de Leo.
— Não tem nada que impressione você?
Leo olhou para ela. Seu cabelo encaracolado cor de canela e seus olhos mel combinavam tão bem com seu elmo e sua espada que ela parecia ser feita de ouro imperial. Leo duvidava que Hazel considerasse isso um elogio, mas, no que dizia respeito a humanas, Hazel era um produto de primeira qualidade.
Leo se lembrou da travessia que fizeram juntos pela Casa de Hades. Hazel o conduzira por aquele assustador labirinto de ilusões. Ela fizera a feiticeira Pasifae desaparecer através de um buraco imaginário no chão. Lutara contra Clítio enquanto Leo sufocava na massa de trevas do gigante. Havia cortado as correntes que prendiam as Portas da Morte. Enquanto isso, Leo tinha feito... bem, basicamente nada.
Ele não estava mais apaixonado por Hazel. Seu coração estava longe, na ilha de Ogígia. Mas mesmo assim Hazel Levesque o impressionava, até quando estava montada em um cavalo imortal supersônico que cuspia palavrões como um estivador.
Ele não disse nada disso, mas Hazel deve ter percebido algo em sua expressão, porque desviou os olhos, envergonhada.
Alheio a tudo, Frank continuou seu tour guiado:
— E ali... ah. — Ele olhou para Percy. — Hum, aquela depressão semicircular na colina, perto dos nichos... é um ninfeu, construído no período romano.
O rosto de Percy ficou da cor de limonada.
— Tenho uma ideia: não vamos lá.
Leo ouvira tudo sobre a experiência de quase morte de Percy no ninfeu em Roma, com Jason e Piper.
— Adorei essa ideia.
Eles continuaram andando.
De vez em quando, Leo levava a mão ao cinto de ferramentas. Desde que os cêrcopes o roubaram em Bolonha, ele tinha medo de ser furtado outra vez, apesar de duvidar que houvesse algum monstro capaz de ser um ladrão tão bom quanto aqueles anões. Ele se perguntou como aqueles macaquinhos imundos estavam se saindo em Nova York. Torceu para que ainda estivessem se divertindo perturbando romanos, roubando muitos zíperes brilhantes e fazendo com que as calças dos legionários caíssem.
— Aqui é o Pelopion — disse Frank, apontando para outra fascinante pilha de pedras.
— Ah, por favor, Zhang — disse Leo. — Pelopion nem é uma palavra de verdade. O que era isso? Uma homenagem a pessoas peludas?
Frank pareceu ofendido.
— É o túmulo de Pêlops. Toda essa parte da Grécia, o Peloponeso, tem esse nome por causa dele.
Leo segurou a vontade de jogar uma granada na cara de Frank.
— Eu deveria saber quem foi Pêlops?
— Foi um príncipe. Ganhou sua esposa em uma corrida de bigas. Supostamente, ele organizou os primeiros Jogos Olímpicos em homenagem a isso.
Hazel fungou.
— Que romântico. “Que bela esposa você tem, príncipe Pêlops.” “Obrigado. Eu a ganhei em uma corrida de bigas.”
Leo não conseguia ver como aquilo os ajudaria a encontrar a deusa da vitória. Naquele momento, a única vitória que ele queria era devorar uma bebida supergelada e talvez uns nachos.
Ainda assim... quanto mais eles avançavam nas ruínas, mais desconfortável ele se sentia. Leo relembrou uma de suas recordações mais antigas, sua babá, Tía Callida, também conhecida como Hera, o estimulando a cutucar uma cobra venenosa com um galho, quando ele tinha quatro anos. A deusa psicopata dissera a ele que aquele era um bom treinamento para ser herói, e talvez tivesse razão. Ultimamente, Leo passava a maior parte do tempo procurando confusão.
Ele observava as multidões de turistas, se perguntando se eram mortais normais ou monstros disfarçados, como aqueles eidolons que os perseguiram em Roma. De vez em quando achava ter visto um rosto familiar – seu primo violento, Raphael; seu professor malvado do terceiro ano, o Sr. Bornquin; sua malvada mãe adotiva, Teresa – todo tipo de gente que tinha tratado Leo como lixo.
Provavelmente, ele tinha apenas imaginado seus rostos, mas isso o deixou nervoso. Ele pensou em como a deusa Nêmesis havia tomado a forma de sua tia Rosa, a pessoa de quem Leo guardava mais rancor e de quem mais queria se vingar. Ele se perguntou se Nêmesis estaria por ali em algum lugar, observando para ver o que Leo ia fazer. Ele ainda não tinha certeza de ter pagado sua dívida com aquela deusa, e desconfiava que ela quisesse mais sofrimento dele. Talvez aquele fosse o dia.
Os quatro pararam em uma escadaria larga que levava a outra construção em ruínas, o templo de Zeus, segundo Frank.
— Costumava haver uma enorme estátua de Zeus em ouro e marfim no interior — disse Zhang. — Uma das sete maravilhas do mundo antigo. Feita pelo mesmo cara que esculpiu a Atena Partenos.
— Por favor, não me diga que temos que encontrá-la — disse Percy. — Já tive o suficiente de estátuas mágicas para uma viagem.
— Concordo.
Hazel deu um tapinha no lombo de Arion, pois o garanhão estava ficando impaciente.
Leo também sentiu vontade de relinchar e bater os cascos. Estava com calor, agitado e com fome. Parecia que tinham provocado a cobra venenosa ao máximo, e ela estava prestes a contra-atacar. Ele queria encerrar as buscas do dia por ali e voltar para o navio antes que isso acontecesse.
Infelizmente, porém, quando Frank mencionou templo de Zeus e estátua, o cérebro de Leo fez uma conexão. Contrariando o bom senso, ele a compartilhou com os outros:
— Ei, Percy, se lembra da estátua de Nice no museu? A que estava toda quebrada?
— O que tem?
— Ela não ficava aqui, no templo de Zeus? Fique à vontade para me dizer que estou errado. Eu adoraria estar errado.
Percy levou a mão ao bolso e pegou sua caneta Contracorrente.
— Você tem razão. Então, se Nice estiver em algum lugar... este é perfeito.
Frank observou os arredores.
— Não estou vendo nada.
— E se começássemos a fazer propaganda de, sei lá, tênis Adidas? — perguntou Percy. — Afinal, a Nike se inspirou em Nice. Será que isso a deixaria com raiva o suficiente para aparecer?
Leo soltou uma risadinha nervosa. Talvez ele e Percy compartilhassem outra coisa: um senso de humor idiota.
— É, aposto que isso seria totalmente contra o contrato de patrocínio dela. ESSES NÃO SÃO OS TÊNIS OFICIAIS DOS OLÍMPICOS! VOCÊS VÃO MORRER AGORA!
Hazel revirou os olhos.
— Vocês dois são impossíveis.
Atrás de Leo, uma voz trovejante abalou as ruínas:
— VOCÊS VÃO MORRER AGORA!
Leo quase pulou para fora de seu cinto de ferramentas. Ele se virou... e se repreendeu na hora. Ele tinha que invocar Adidas, a deusa dos tênis de segunda opção.
A deusa Nice assomou diante deles em uma biga dourada, e tinha uma lança apontada para o coração dele.
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